quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Dois destinos

Jeremias estava a caminho de casa, quando viu a festa de arromba no salão mais importante da cidade. Tudo brilhava, os botões, o teto, as bochechas. Parou para olhar o tudo. Era muito dinheiro ali. Ele sabia. Continuou seu caminho, um tanto devagar, pois o trabalho tinha se estendido naquele dia. Chegou em casa, abraçou a esposa carinhosa, que lhe ofereceu o jantar. Os dois filhos se aproximaram também perguntando ao pai sobre o dever de casa. Comeu, ajudou os filhos. Depois, os quatro sentados na varanda conversaram até dar sono. Foram deitar. Jeremias estava cansado, mas satisfeito.

Nancy estava atrasada. Colocou o par de brincos mais brilhosos. Não esqueceu de borrifar mais perfume. O motorista a levou à festa de arromba. Nancy encontrou muitos conhecidos, conversou e dançou como fazia todas as noites de sábado. Amanheceu e Nancy resolveu ir para casa. Seus pés doíam. Em casa, sozinha, sentia-se cansada e insatisfeita.

Jeremias amanhecera doente. A esposa cuidou dele.

Nancy amanhecera doente. Foi para um hospital, num quarto solitário.

Jeremias melhorou e pôde voltar ao trabalho no outro dia. Os filhos fizeram uma surpresa para o pai naquela noite. Ambos desenharam a família e a mãe mandara moldurar.

Nancy melhorou e pôde ir em outra festa. Quando o sol já estava aparecendo resolveu comer na padaria, sozinha.

Quando Nancy saiu, viu Jeremias. Espantou-se de vê-lo com aquele ar de sempre, singelo demais ela pensou. Ele fora mais um em sua vida, pensou novamente. Dizia estar apaixonado, anos atrás. Ela, por sua vez, brincou com seu coração e desapareceu. Não queria nada sério. Acompanhou com o olhar aquele homem caminhando. Singelo demais pensou novamente, e foi embora. Precisava dormir, estava cansada e insatisfeita.

Jeremias percebeu a presença de Nancy, viu uma mulher com vestido de festa, salto alto, maquiagem forte e perfume doce às sete e meia da manhã, tomando seu café com os olhos tristes e um tanto borrados. Olhou-a de longe, e apesar de não sentir nada, se arrependeu dos dias que gastara com ela.

Anos se passaram. Jeremias progrediu no trabalho, teve netos, viu os filhos se formarem na faculdade. Estava cansado e satisfeito.
Nancy participou de muitas festas. Conversou e dançou todas as vezes. Fez plásticas, academia e dieta constante. Estava cansada e insatisfeita.

Jeremias cruzou com Nancy mais uma vez, na mesma situação. Não trocaram palavras, mas ele pensou "A vida cansa, mas só algumas partes dela valem a satisfação."

Um comentário:

Silvia disse...

As vezes,partes da gente se torna uma Nancy, buscando a satisfação no transitório, no aparente com o rosto impecável e o coração destruído...
Essa história me fez pensar que mesmo que a relação com o outro seja um caminho de pedras, é neste caminho que encontramos a alegria, o consolo qdo precisamos, o colo, o beijo, a ternura, a cumplicidade e a força que nos move e nos faz sempre seguir!